
Fevereiro é tempo de estadual e, dentre a variedade de clássicos que rolam pelo Brasil, decidi viver de perto a maior rivalidade de Sergipe que mesmo longe dos holofotes nacionais é uma das maiores expressões de paixão do futebol nordestino.

Torcedores do Sergipe carregam uma bandeira do clube (Foto: PELEJA / Villar)
Em Sergipe, falar de cultura é falar de resistência
O estado de Sergipe tem uma riqueza cultural invejável, desde as manifestações tradicionais - como os Parafusos, os Bacamarteiros e as Taieiras -, até a arte de Arthur Bispo do Rosário; o trabalho das Catadoras de Mangaba; o Festival de Artes de São Cristóvão e a produção intelectual revolucionária de Manoel Bonfim, mas nós conhecemos muito pouco do que se vive por aqui. Em todos os casos, o drama é parecido: a luta da sergipanidade é uma luta por visibilidade, com a certeza de que o mundo se encantaria com tudo que esse lugar tem para oferecer.
No futebol, a realidade é a mesma: os torcedores de Confiança e Sergipe tem muito para mostrar, muito para dizer e muito para sentir, dedicando suas vidas ao futebol local mesmo com muito menos vitrine e recursos. No menor estado do Brasil, a cultura de arquibancada faz de tudo para sobreviver e é isso que nós tentamos registrar.

Torcida Trovão Azul canta alto no Batistão (Foto: PELEJA / Villar)

Do lado vermelho, a Torcida Esquadrão Colorado comanda a festa (Foto: PELEJA / Villar)
Os protagonistas da festa do povo
Segundo clube mais antigo do estado, o Club Sportivo Sergipe foi fundado em 1909 e passou a ter o futebol como modalidade alguns anos depois. Desde o primeiro título, em 1922, o “Mais Querido” é o maior campeão sergipano, com 37 conquistas, com destaque para o hexacampeonato na década de 90, uma sequência inédita e nunca superada no estado, que costuma ser a grande provocação dos torcedores em relação aos rivais.

Tatuagem do Club Sportivo Sergipe e da TEC (Foto: PELEJA / Villar)
Já a Associação Desportiva Confiança surgiu em 1936 e implantou o futebol em 1949. Fundado dentro da fábrica de tecelagem Confiança, o “Dragão do Bairro Industrial” carrega a origem operária em toda a sua identidade e, por isso, sua torcida é apelidada de “proletária”. Com 23 títulos, o Confiança é o segundo maior campeão do estado e teve um desempenho melhor do que o rival desde os anos 2000, com mais títulos, uma semifinal de Copa do Nordeste em 2020 e uma passagem pela segunda divisão do Campeonato Brasileiro na mesma temporada, depois de um jejum de 28 anos.

A camisa branca do Confiança marca presença na arquibancada (Foto: PELEJA / Villar)
Curiosamente, Aracaju ficou 15 anos sem ver o Clássico Maior na final do estadual. Entre 2009 e 2023, os dois maiores decidiram títulos contra times do interior e só voltaram a se encontrar em uma decisão em 2024, quando o Dragão levou a melhor.
O Batistão e seus encantos
O Estádio Estadual Lourival Baptista, o Batistão, é a casa dessa rivalidade, e tem sua maior parte dividida em cadeiras azuis e vermelhas, meio a meio. Em um Brasil em que a política de torcida única é cada vez mais presente nos grandes clássicos, ver as duas torcidas no estádio causa uma felicidade que não deveria ser tão rara.

Torcedores do Confiança (Foto: PELEJA / Villar)

Torcedores do Sergipe (Foto: PELEJA / Villar)
Alegando ainda uma “medida de segurança por causa de brigas”, tendo como referência os conflitos que deixaram um torcedor do Confiança morto em 2024, o Governo do Estado, com instrução do Ministério Público e da Secretaria de Segurança Pública, decretou a proibição de faixas e bandeiras das torcidas, além das baterias. Mesmo com o apelo dos dois clubes, a Federação Sergipana de Futebol notificou que a proibição seguiria valendo para o primeiro clássico de 2025 e a festa nas arquibancadas foi extremamente prejudicada.
Não é por acaso que, quando o governador do estado e a prefeita de Aracaju apareceram no gramado antes da bola rolar, a recepção do estádio foi misto de vaias e gritos de “libera a bateria”.
Mas como o vencido não está totalmente vencido até que fechem a sua boca, foi cantando alto que as duas torcidas nos mostraram por que esse é o Clássico Maior.

A torcida do “Mais Querido” (Foto: PELEJA / Villar)

A torcida do “Gigante Operário” (Foto: PELEJA / Villar)
O clima do jogo revelava a situação atual
Do lado azul, a torcida proletária lotou a arquibancada e o clima de festa traduzia bem o momento do time, embalado por uma vitória contra o Náutico no meio da semana e pela fase melhor que a do rival, liderando com folga o Campeonato Sergipano. Isso explica, em partes, a animação pré-jogo e a participação massiva dos torcedores na campanha de arrecadação criada pela Torcida Trovão Azul para a organização da festa.
Do outro lado, a expectativa de público era um pouco menor entre os torcedores, refletindo a fase ruim. O Gipão amarga a sexta colocação do estadual e foi eliminado na fase preliminar da Copa do Nordeste. Mesmo assim, quem compareceu apoiou até o final, e a chegada da Torcida Esquadrão Colorado no estádio inflamou o lado vermelho.
Para quem observava de fora, era clara a expectativa de uma vitória do Confiança, mas o futebol, como o cemitério de céticos que é, fez questão de bagunçar um pouco essa noção: no primeiro tempo, o Sergipe abriu o placar e foi para o intervalo com a vantagem.

O lado vermelho comemora o gol que abriu o placar (Foto: PELEJA / Villar)
Já na segunda etapa, a pressão do Confiança deu resultado e o time virou o jogo nos quinze minutos finais, explodindo a torcida proletária.

O lado azul comemora a virada (Foto: PELEJA / Villar)
No fim, a experiência em Aracaju é mais uma confirmação de que, dentro de um país continental, a cultura popular ainda tem muitos elementos que merecem mais destaque e carinho no cenário nacional, e as torcidas de Sergipe e Confiança são a representação perfeita disso.