
Em janeiro de 1995 o Flamengo anunciou a chegada do Romário, que vivia o auge da sua carreira, tinha vencido a Copa do Mundo, era a maior estrela do Barcelona e estava prestes a ser eleito o melhor jogador do mundo. A decisão dele pegou o mundo de surpresa e essa contratação é lembrada com frequência como a maior da história do futebol brasileiro, reunindo detalhes que mostram como o esporte e o Brasil mudaram de lá pra cá.
No retorno do príncipe, o Brasil sentia o impacto do Plano Real
O Plano Real foi implementado em 1994, durante o governo Itamar Franco, para estabilizar a economia e, principalmente, acabar com a hiperinflação que devastava o poder de compra dos brasileiros. Surfando a onda do sucesso da nova moeda, Fernando Henrique Cardoso, que foi Ministro da Fazenda durante o Plano, chegou à presidência da república.

Fernando Henrique Cardoso recebe a faixa presidencial de Itamar Franco em 1995 (Josemar Gonçalves)
A partir desse momento até o final dos anos 90, o futebol brasileiro viveu uma janela específica que permitiu uma contratação inimaginável nos dias de hoje. Isso porque uma das estratégias da nova política econômica era a paridade cambial, com o governo controlando a cotação do dólar, que passou a valer menos de 1 real. Por mais que os valores hoje praticados no futebol sejam incomparáveis com essa época, 4,5 milhões de dólares ainda era muito dinheiro, mas o Flamengo não precisou fazer as conversões milionárias da atualidade e, com ajuda de algumas empresas, conseguiu juntar o necessário para repatriar o melhor jogador do mundo.
Curiosamente, foi no final de 1995 que a Lei Bosman entrou em vigor, facilitando a saída dos jogadores rumo ao mercado europeu, um movimento que mudou o futebol mundial e tornou ainda mais impossível um craque fazer o caminho inverso e voltar ao Brasil.
As novas tecnologias de 95
Hoje é impossível pensar em transferências chocantes no mundo do futebol sem pensar nas informações confirmadas por publicações do Fabrizio Romano ou pela cobertura de milhares de portais em diferentes redes sociais. Mas quando o Romário arrastou uma multidão nas ruas do Rio de Janeiro vestindo a camisa do Flamengo, a internet ainda estava engatinhando no nosso país: 1995 marcou a abertura da internet comercial no Brasil que, através das linhas telefônicas, começava a entrar na vida das pessoas. A internet chegou aqui poucos anos antes, mas seu uso era restrito a algumas universidades e serviços públicos.
Falando em tecnologia, a famosa expressão “esse gol é para colocar no DVD” ainda não existia, já que essa nova mídia física foi oficialmente lançada em 1995, mudando um mundo que era dominado pelo VHS.

VHS da Revista Placar (SEBODOERMINIO)
No futebol, clássicos inesquecíveis, quebra de jejum e um marco negativo
Se no Brasil o Romário era de longe a maior contratação, no mercado mundial o destaque foi para outro brasileiro brasileiro que trilhava o mesmo caminho que ele: por 15 milhões de euros Ronaldo Nazário saiu do PSV e vestiu a camisa do Barcelona, onde ele protagonizaria uma das melhores temporadas da história e também levaria a Bola de Ouro.
Na final do Campeonato Carioca, que foi uma das maiores da história dos estaduais, o Flamengo do melhor jogador do mundo perdeu o título para o Fluminense, que contou com o famoso gol de barriga do Renato Gaúcho. E para marcar ainda mais o sucesso dos cariocas, o Botafogo, liderado pelo Túlio Maravilha, quebrou o jejum de título nacionais e conquistou o Campeonato Brasileiro pela segunda vez, vencendo o Santos do jovem Giovanni que, naquela temporada, pelas atuações milagrosas, se tornou o “Messias da Vila”.
A maior contratação daquele ano é incontestável, mas a mais aleatória ficou por conta do Matsubara, clube da cidade de Cambará que tinha se mudado para Londrina e assinou com o Craque Neto, que já tinha se consolidado como ídolo do Corinthians. Com 10 gols, ele foi o líder da melhor campanha da história do clube no campeonato paranaense, que terminou na terceira colocação.

Neto vestindo a camisa do Matsubara em 1995. (O Curioso do Futebol)
1995 também ficou por um episódio triste da nossa história: A Batalha do Pacaembu. Durante a final de um campeonato de base, as torcidas do Palmeiras e do São Paulo protagonizaram uma batalha campal que resultou em uma morte e mais de 100 feridos. Por ser um jogo de base, o contingente policial foi reduzido e a segurança afrouxada, decisão que não fazia sentido porque, na época, com o aumento da violência, os jogos de juniores também costumavam gerar problemas. Os entulhos da reforma do “tobogã” do Pacaembu foram usados como armas e essa briga deu origem a algumas punições famosas do futebol paulista, como a proibição de bandeiras com mastro nas arquibancadas.
Na cultura, 1995 marcou uma geração
A música mais tocada do ano no Brasil foi “Take a Bow”, da Madonna, mas a verdadeira febre nacional era a banda Mamonas assassinas, que em 1995, no auge, lançou seu primeiro e único disco, dominando a rádio e os programas de TV e emplacando sucessos atemporais como “Pelados em Santos”.
No cinema, a nova realidade econômica brasileira também acompanhava uma tentativa de “renascimento” das produções nacionais, que passaram por um período de muita dificuldade depois da extinção de algumas instituições como a Embracine, o Concine e a Fundação do Cinema Brasileiro, pelo presidente Fernando Collor, além de acabar com leis de incentivo à produção audiovisual. Uma nova Lei do Audiovisual, sancionada em 1993, buscou reverter a situação e deu início ao “Cinema de Retomada”. Entre as obras que foram lançadas nesse movimento estava “Terra Estrangeira”, de 1995, a primeira colaboração entre o diretor Walter Salles e a atriz Fernanda Torres que, em 2025, foram indicados à categoria de melhor filme no Oscar com “Ainda Estou Aqui”, a primeira obra brasileira a alcançar esse feito.

Fernanda Torres em “Terra Estrangeira”
A volta do Romário é sempre lembrada pelo impacto que tinha no futebol mundial na época, mas também porque ela foi possível por uma série de condições que logo depois deixaram de existir. O futebol moderno não permite que o melhor jogador do mundo esteja fora da Europa e essa experiência marcou a memória de um país em transformação.