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26 de fev. de 2025

Como uma eleição da Associação do Futebol Argentino teve mais votos do que votantes

Os interesses políticos na disputa de poder da AFA, unidos a um contexto de tensão e crise institucional, deram origem ao dia mais vergonhoso da história da associação.

por

Vitor Daniel

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Se “crise” é a palavra mais falada em relação ao futebol argentino na última década, os motivos são diversos, mas alguns eventos específicos marcaram a tragédia da história recente da AFA, incluindo uma eleição bizarra que até hoje é motivo de vergonha. Os efeitos desse momento impactaram todos os eventos posteriores, todas as crises e disputas políticas, e o PELEJA te explica como isso aconteceu:


A morte de Don Julio, o dono do futebol argentino, criou um cenário inesperado


Julio Grondona era o “Poderoso Chefão” do futebol argentino, que comandou a AFA por 35 anos e, segundo ele mesmo, “recebeu mais denúncias do que o Al Capone, mas nunca foi condenado”. Passando por mais de dez governos nacionais e chegando a cargos executivos importantes na FIFA, Grondona se transformou em uma entidade do futebol e o “grondonismo” parecia ser o único método de trabalho e articulação política da AFA, sem muito espaço para opositores, então imaginar o funcionamento da Casa Madre do futebol argentino sem ele era uma tarefa quase impossível.


Com a sua morte, em 2014, a AFA enfrentou um cenário de disputa de poder que aumentou a instabilidade de uma instituição que já vinha enfrentando uma sequência de crises. Sem um herdeiro lógico para a posição do Grondona, tinha muita gente de olho nessa vaga, que carregava várias camadas de interesses de diferentes atores, todos conscientes de que na Argentina, talvez mais do que em qualquer outro lugar do mundo, o futebol molda a política e a política molda o futebol.



Julio Grondona, ou Don Julio, o “Poderoso Chefão” do futebol argentino. (Foto: Juan Mabromata / AFP)

A primeira eleição pós-Grondona serviria para marcar um ponto de virada histórico, o primeiro passo para a construção de uma associação com novos valores e objetivos. De fato, a eleição marcou a história da AFA, mas como o momento mais bizarro da sua existência: em dezembro de 2015, a disputa entre o presidente interino, Luis Segura, e o apresentador de TV, Marcelo Tinelli terminou empatada com 38 votos para cada lado, ou seja, 76 no total, sendo que só 75 dirigentes votaram.


Política e contradição: o contexto do “38 a 38” é ainda mais complexo do que parece


A eleição escancarou a crise institucional, uma vergonha inexplicável que pegou todos os envolvidos de surpresa, mas o caminho até esse evento já revelava a complexidade do jogo de interesses do futebol argentino.


Passados alguns anos da implantação do programa “Fútbol para Todos”, a crise financeira dos clubes não melhorou e o futebol argentino ainda enfrentava uma onda de violência que fez as autoridades proibirem as torcidas visitantes em 2013. Já no meio de 2015, enquanto a AFA lidava com o vácuo no poder, a justiça revelou o maior escândalo de corrupção da história da FIFA, com a prisão de vários executivos. A Argentina também estava no foco das atenções, não por causa da AFA, mas pela participação do empresário Alejandro Burzaco no escândalo de propinas. Burzaco, que era chefe da Torneos y Competencias (TyC), maior produtora esportiva da América Latina, confessou os crimes e se tornou o grande delator do caso, obviamente afetando a sua relação com a produção do futebol argentino. 



Alejandro Burzaco - no centro - comparece à Corte de Nova York para responder sobre as acusações de corrupção em 2015 (Foto: Don Emmert / AFP)

A estatização das transmissões pela Cristina Kirchner afetou principalmente o Grupo Clarín, que possuía os direitos em parceria com a TyC, mas a produtora acabou saindo no lucro, já que pela sua estrutura, foi contratada pelo governo para gerir as transmissões e também para negociar direitos internacionais. Apesar do envolvimento do Burzaco no escândalo de corrupção da FIFA não ter ligação com o Fútbol para Todos, o caso ligou o alerta para investigações sobre possíveis ingerências do dinheiro público movido pelo projeto, o que afetaria o governo e a AFA, um ponto que seria explorado pelo Macri futuramente, como parte do seu plano de acabar com o programa. Ou seja, o contexto da corrida pela liderança da federação era de muitas preocupações.


A velha guarda e o showman, os dois grandes lados da disputa


Quando o Don Julio morreu, seu cargo foi assumido interinamente por um homem de sua confiança: Luis Segura, que presidiu o Argentinos Juniors entre 2002 e 2014. Segura ganhou força na AFA ao longo dos anos, mas nunca despontou como um verdadeiro sucessor do “grondonismo”, o que também virou uma estratégia para unir forças para a sua candidatura. Diferente do antigo chefe, no período que sentou na cadeira principal ele decidiu usar o poder de maneira menos pessoal e caótica, tentando se vender como uma opção conciliadora e de renovação.




Luis Segura (Foto: Conmebol)

A ideia demonstrou certo sucesso, aproximando Segura de muitos dirigentes, com destaque para o presidente do Boca Juniors, Daniel Angelici, e para o sindicalista e presidente do Independiente, Hugo Moyano, duas figuras muito poderosas no país. O genro do Moyano e presidente do Barracas Central, Claudio “Chiqui” Tapia, também fazia parte da aliança e era o grande representante dos clubes menores e das divisões de acesso.     


Com seu time formado, o último evento da campanha de Luis Segura reuniu 40 dirigentes que votariam nele, ou seja, dentro dos 75 votos possíveis, ele tinha a certeza que seria eleito pela maioria e chegou naquele fatídico 3 de dezembro esbanjando confiança.



Luis Segura em seu último evento de campanha, acompanhado de Angelici, Moyano e outros dirigentes. Em pé, ao fundo, está Chiqui Tapia. (Foto: Infobae)

Já Marcelo Tinelli, que era vice-presidente do San Lorenzo, também era o maior apresentador de TV da Argentina, um personagem que sempre esteve no centro das disputas políticas pela sua influência na opinião pública. Em época de eleições nacionais, Tinelli chegava a aparecer nas pesquisas de intenção de voto, mesmo sem anunciar candidaturas e boa parte do país acreditava que ele tinha o plano de impulsionar uma carreira política através do futebol, assim como o Macri e muitos outros dirigentes.


Marcelo Tinelli (Foto: Reprodução)

Não é por acaso que dias antes da eleição da AFA, enquanto Segura reunia seus parceiros, Tinelli se encontrou com dois futuros governantes da Província e da Cidade Autônoma de Buenos Aires, María Eugenia Vidal e Horacio Rodríguez Larreta. Os dois políticos faziam parte do partido Proposta Republicana, do Macri, tinham participado da sua gestão na prefeitura de Buenos Aires e tinham seus próprios interesses no poder da AFA. O Larreta inclusive, é filho de um ex-presidente do Racing e conhecia muito bem a força do futebol. Além disso, Tinelli também contava com o apoio do presidente do River Plate, Rodolfo D’Onorio, que tinha influência e capacidade para converter muitos votos.




Tinelli encontra o prefeito de Buenos Aires, Rodríguez Larreta (Foto: Infobae)

Com esse esquema montado, Tinelli também chegou na eleição com muita confiança de que seria o vencedor. A disputa realmente estava muito dividida e era difícil prever o resultado.


O dia da vergonha


Os 75 votos eram dispostos da seguinte maneira: 30 clubes da primeira divisão; 12 da B Nacional; 10 da B Metropolitana; 6 da Primera C; 5 da Primera D; 2 do Torneo Federal e 10 das ligas do interior.


Depois da votação nas duas cabines disponíveis da quadra da AFA, os responsáveis, sob a supervisão da Inspección General de Justicia, começaram a contagem histórica. No anúncio do empate, que era impossível matematicamente, o espanto tomou conta de todo mundo. Daniel Angelici sugeriu uma nova votação aberta, com os braços levantados, mas o pedido foi ignorado por não estar previsto no estatuto. Quando os responsáveis pelo processo tentaram reunir todos os votantes para discutir a situação, descobriram que dois deles, eleitores de Tinelli, já tinham ido embora. Restou o vexame e a suspensão da votação.


El momento clave del papelón de las elecciones en la AFA


Um voto repetido que nunca foi explicado com clareza marcou o ápice da falta de organização e transparência da AFA. Enquanto uma nova eleição era pensada, Tinelli e Segura, ambos se sentindo traídos por acreditarem que tinham a maioria, entraram em acordo para compor um governo provisório que equilibrava as duas forças, com apoiadores poderosos das duas candidaturas ocupando cargos.



Em coletiva, Tinelli e Segura lamentam o escândalo nas eleições. (Foto: Mariano Martino)

A posição do novo presidente da Argentina reforçava o nível de confusão da situação


Se as coisas parecem complexas demais, é porque são. Quando se trata de poder dentro do futebol argentino, nenhuma relação é óbvia e os amigos e inimigos mudam com extrema velocidade. O Macri, que tinha acabado de assumir a presidência do país, tinha muitos interesses pessoais no esporte e a sua dinâmica com alguns nomes já citados nesse texto são a comprovação do quanto as coisas podem ser confusas.


Para ele, nenhum dos dois candidatos era ideal: Luis Segura era visto pelo Macri como um cúmplice do kirchnerismo dentro do futebol, alguém que trabalhou a favor da manutenção do Fútbol para Todos, que ele tanto repudiava. Do outro lado, Tinelli tinha demonstrado apoio à candidatura de Daniel Scioli contra Macri nas eleições presidenciais, o que causou um certo rancor, apesar de que o presidente sabia da importância de manter boas relações com o apresentador que, no geral, tinha propostas de modernização do futebol argentino mais alinhadas com o seu pensamento.


Mesmo que Tinelli fosse a melhor opção para ele, seus principais aliados na época - Angelici e Moyano - estavam na linha de frente na campanha de Luis Segura por motivações próprias. Moyano, que pouco tempo depois se tornaria o responsável pelas maiores manifestações contra o governo, ainda tinha uma boa relação com o presidente no período da eleição.



Em 2015, dias antes da eleição da AFA, Macri recebe uma homenagem do Boca Juniors e de Daniel Angelici. (Foto: EFE)

Se a ideia inicial era de que o “38 a 38” não beneficiava nenhum dos dois projetos e só manchava a imagem da AFA, as consequências desse dia eram um prato cheio para os objetivos do Macri. Para ele, a intervenção da FIFA em 2016 foi um cenário muito positivo, descredibilizando ainda mais AFA e incentivando os clubes a abraçarem a ideia de uma Superliga independente e “superprofissionalizada”, que abriria as portas para as Sociedades Anónimas Deportivas. 


Com a intervenção confirmada, o governo aumentou sua musculatura política, já que o presidente escolhido pela FIFA para essa “Comissão Normalizadora” foi Armando Pérez, que comandava o Belgrano de Córdoba e era o dirigente favorito de Macri, além de que o vice-presidente, Javier Medin, era um advogado que foi titular no departamento jurídico do Boca Juniors, clube que Macri presidiu por 12 anos. Já o Daniel Angelici se tornou o grande líder do projeto da Superliga, voltando a se alinhar com o presidente.


Esse conjunto de fatores deu início a uma nova fase do futebol argentino e impulsionou a figura do Chiqui Tapia, sempre presente nas entrelinhas de cada um desses processos. Tapia, com o apoio dos clubes do acesso, se tornou uma verdadeira opção conciliadora e chegou à presidência em 2017, encerrando a intervenção. 



Luis Segura e Chiqui Tapia durante uma Assembleia Extraordinária da AFA em 2016, que discutia a intervenção na federação (Foto: Amilcar Orfali)

No episódio do Ponto a Ponto sobre a crise do futebol argentino, o PELEJA te explica com detalhes a linha do tempo e as conexões complexas dessa confusão, incluindo todos os desdobramentos da eleição que marcou negativamente a história da AFA e a importância do Chiqui Tapia nas disputas políticas do futebol que ganharam novos capítulos em 2025.





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