Eu já participei de uma invasão de campo ridícula. Em maio de 2017, o AD São Caetano, time da minha cidade, foi campeão da Série A2 do Campeonato Paulista, vencendo o Bragantino pré-Red Bull na final. Entre as seis mil pessoas no Anacleto Campanella estávamos eu e amigos, e invadimos o campo para abraçar o elenco – alguns com sucesso e outros impedidos pela PM, ou seja, três malucos fizeram uma festinha por alguns segundos no gramado e já tiveram que sair correndo também.
Quando eu cheguei com o PELEJA em Düsseldorf, na Alemanha, para gravar um filme sobre um acesso, não dá para dizer que eu não tinha experiência com o assunto. Mas o que me surpreendeu desde o começo, foi a familiaridade de todo mundo que participava desse jogo tinha com o conceito de festa maluca por causa do "título" que é jogar a primeira divisão.
Pedro Brienza, do PELEJA, caminha por bairros grafitados em referência ao clube da cidade, o Fortuna. (Guto Franco/PELEJA)
Na Bundesliga, o penúltimo colocado da primeira divisão tem uma chance de se salvar do rebaixamento jogando dois jogos contra o clube que ficou em terceiro na segundona, os chamados "playoffs do rebaixamento", um nome curioso, já que podiam chamar de "playoffs do acesso", já que o clube da segunda divisão também está disputando a vaga.
Na temporada 2023/24, o clube que representava a Bundesliga 2 era o Fortuna Düsseldorf, personagem principal do nosso filme, já que eles tinham vivido uma montanha russa para chegar até aqui. No começo da temporada, o Fortuna foi manchete mundial ao distribuir ingressos de graça para os torcedores para três jogos e prometendo fazer isso por uma temporada inteira no futuro.
A torcida do Fortuna Düsseldorf lotou as arquibancadas durante a temporada de 2023/24. (Guto Franco/PELEJA)
O mesmo clube chegar a ter chance de subir para a primeira divisão parecia ser um conto de fadas, uma mensagem muito legal sobre envolvimento comunitário e a importância de trazer os torcedores para perto. E logo na primeira conversa com os torcedores eu comecei a entender como tudo isso fazia sentido.
Kenny Legg, um curioso do futebol e gente boa, me mostrou o tanto que essa galera de Düsseldorf estava vivendo por esse jogo e me apresentou um vídeo da última vez que o Fortuna tinha participado deste playoff em 2012. Os caras invadiram o campo antes do jogo acabar de fato e os minutos finais tiveram que rolar com torcedores literalmente na linha lateral. "Um cara, durante a invasão, cavou a marca do pênalti com uma caneca de cerveja e levou o pedaço de campo para casa. O fim do jogo teve que acontecer com um buraco ali." – me contou Kenny no nosso papo à beira do Rio Reno.
Kenny Legg, à esquerda, contando tudo que eu precisava saber sobre Düsseldorf e o time sofredor da cidade. (Guto Franco/PELEJA)
Expectativas foram criadas. A gente está falando de 50 mil pessoas invadindo um campo para comemorar um acesso, uma parada que eu estava louco para registrar no filme, mas muito difícil de prever em um confronto desse – até terminar o jogo de ida.
De um bar em Düsseldorf, eu e o Guto, diretor do PELEJA, assistimos ao Fortuna enfiar 3 a 0 fora de casa. Eu não vou mentir, já estava organizando maneiras de filmar a invasão de dentro do campo. E não só eu. Em papos com funcionários do clube, a possibilidade de invasão no jogo de volta já estava sendo organizada com a polícia para que ela não impedisse a festa, além de avisar a galera da imprensa a sair um pouco antes do apito final para poupar os equipamentos, estava tudo nos conformes.
Guto Franco, diretor do PELEJA em um bar durante a primeira partida dos playoffs. (Pedro Brienza/PELEJA)
Os dias seguintes na cidade foram os melhores possíveis. Considerada uma das melhores do mundo para se viver, Düsseldorf oferece uma alta qualidade de vida além de ser multicultural e agitada comparada a outras da Alemanha. Conversando com moradores e torcedores, acabei pegando um carinho pela história e cresceu a ansiedade de registrá-la no estádio.
Mas o futebol é loucura.
Em boa parte das gravações eu fiz questão de salientar o histórico. Nesse confronto de times da Bundesliga 1 contra 2, o clube da elite havia passado sete vezes nos últimos dez anos, mas não consegui acreditar no que vi na Merkur-Spiel Arena.
No intervalo do jogo da volta, o Bochum vencia por 1 a 0, com o Fortuna mais perto de empatar do que qualquer outra coisa, mas o Murilo, Head de Conteúdo do PELEJA e torcedor da Ponte Preta – não que isso tenha relação com pessimismo no futebol – sugeriu de gravarmos um recado para pôr no filme, destacar que o clima no estádio não estava mais tão otimista.
Parecia que ele já sabia. Eu vi o Fortuna derreter e tomar de volta o 3 a 0, em casa, na frente de 50 mil torcedores e, com o psicológico em frangalhos, perdeu o acesso nos pênaltis. Não restava muito o que fazer, mesmo desacreditados, os torcedores aplaudiram os jogadores e se prepararam para viver mais um ano na segunda divisão.
A torcida do Fortuna desacreditada com o resultado mais decepcionante do ano. (Guto Franco/PELEJA)
Em 90 minutos, eu tive que repensar o filme que estava gravando por 10 dias e tentar imaginar como passar um pouco do que foi a emoção de ver uma parada dessa na sua frente. Como testemunha das finais da Libertadores, Mundial de Clubes e Eurocopa, o jogo de rebaixamento do Campeonato Alemão foi o que mais mexeu comigo nos últimos anos e isso ia ser impossível de explicar se a gente não tivesse filmado.
O "Jogo da Vida" é um filme do PELEJA em parceria com a DFL e já está disponível em todas as nossas redes. Você também pode conferir aqui: